13.2.08

 

Factos Históricos de Há 200 Anos


Quando, há semanas, aqui evoquei a 1ª esquecida invasão franco-espanhola das nossas fronteiras, a de 1801, e referi a Exposição dos 200 anos das Invasões Francesas, que esteve patente na Biblioteca Nacional em Lisboa e em que, inexplicavelmente, nela não surgia nenhuma referência ao esbulho espanhol da Praça de Olivença, estava longe de imaginar que, passado pouco tempo, seria agradavelmente surpreendido, numa outra Exposição, sobre o mesmo assunto, nas Caldas da Rainha.

Com efeito, nesta acolhedora cidade da chamada região do Oeste de Portugal, no edifício onde se estabeleceu o Museu do Ciclismo, encontra-se, até ao fim de Fevereiro, uma Exposição, também alusiva aos 200 anos das invasões napoleónicas, mas na qual não falta a menção da Questão de Olivença, ali lembrada, em livros, revistas e outros símbolos do variado e interessante espólio ali exibido.

Este facto é tanto mais de salientar quanto todo o espólio da Exposição pertence a um único cidadão caldense, de seu nome Mário Lino, que, com o apoio da Autarquia, se dispôs a realizar tão louvável iniciativa, de cunho inequivocamente patriótico, para dar a conhecer este período conturbado da nossa História.

A resistência das nossas gentes às depredações praticadas pelos exércitos invasores, de Espanha e da França e até das cometidas pelos do nosso aliado, revelou-se absolutamente heróica.

Urge, pois, relembrá-la aos actuais portugueses, grandemente desmemoriados do seu passado, caídos, hoje, num desalento político perigoso para a construção do seu futuro.

É certo que a resistência portuguesa foi reforçada pelo envio das tropas do aliado britânico, que, obviamente, agiu na mira da protecção dos seus próprios interesses, no caso, coincidentes com os nossos, para sustentar uma soberania periclitante.

Na ampliação dessa resistência, proporcionada pelo aliado britânico, todo o potencial combativo dos portugueses pôde então expressar-se em plenitude, apesar do estado precário de que se partira, dada a desorganização inicial das nossas forças militares.

Ali, na citada Exposição das Caldas, não houve incúria, nem, muito menos, o propósito de ocultar um facto histórico verídico, ofensivo da dignidade nacional, que constitui a Questão não dirimida e, por isso mesmo, não encerrada de Olivença.

Como deixei dito em anterior texto, já por várias vezes aqui abordei este tema e estarei disposto a fazê-lo muitas mais, nem que seja para compensar o lastimável esquecimento e a incompreensível indiferença de demasiados portugueses, nomeadamente das suas putativas elites, desistentes de muitas causas, logo que não lhes cheire a vantagens económicas imediatas.

Enganam-se redondamente aqueles que pensam que esta causa de Olivença não tem sentido, na actualidade, num suposto enquadramento político de União de Estados europeus, tendencialmente federativa, supostamente desvalorizadora das soberanias dos seus Estados-Membros individualmente considerados, sobretudo as dos mais pequenos, já que as dos grandes, como comprovamos, continuam bem visíveis, audíveis e afirmativas, até em pequenos pormenores.

A entrada na União dos novos países do Leste, até há pouco de existência soberana mais que remota, aí está para nos advertir de que a História nunca se pode considerar encerrada, ainda que a vaidade ou a presunção de muitos assim o quisesse determinar.

Fukuyama terá de voltar a escrever e a meditar neste capítulo da História, se pretender que, na América e no Mundo, ainda o levem a sério.

Basta que nos lembremos de como, até há poucos anos, se dava por arrumada a questão dos Estados bálticos, julgados definitivamente incorporados na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Estado que, apregoava-se também, realizara, em 1917, a utopia comunista, colocando o Proletariado no Poder e se preparava para alcançar o fim último das sociedades humanas, com o advento do Homem Novo, enfim, liberto da exploração e das humilhações sob que vivera ao longo dos tempos.

O mesmo se poderia dizer das nações eslavas dos Balcãs, das dos confins da Ásia, todas elas renascidas para a independência, na sequência da queda do muro de Berlim e do desmembramento da União Soviética.

Na História, como se costuma dizer, nada é definitivo e sempre ela se há-de resolver pela decisão final dos cidadãos, mesmo quando estes nos parecem destroçados, de tão mergulhados em estado de avassaladora alienação, verdadeiramente limitadora da sua condição pensante.

No âmbito do actual programa de evocações dos 200 anos das Invasões Francesas, realizou-se também, no sábado passado, 09 de Fevereiro de 2008, uma cerimónia nas Caldas da Rainha, patrocinada pela Autarquia e com o apoio do Exército Português, em que se inaugurou um monumento alusivo ao fuzilamento, ocorrido naquele mesmo dia do ano de 1808, de 9 cidadãos, 6 militares, do 2º Regimento de Infantaria do Porto, ali estacionado, e 3 civis naturais das Caldas, que se haviam envolvido em arruaças com soldados franceses.

Destes desacatos não resultaram mortos, nem feridos de gravidade, para nenhum dos lados. No entanto, o pretexto foi aproveitado pelos franceses que, a mando do General Loison, o famigerado Maneta, cercaram a Povoação com uma força considerável, aprisionaram os portugueses envolvidos na refrega e, após um simulacro de julgamento, sumariamente os fuzilaram.

Tudo isto perpetrado numa clara manifestação de intimidação, pelo terror, do resto da população insofrida com os múltiplos desmandos dos presumíveis arautos dos ideais libertadores dos povos europeus, então oprimidos, segundo os tais arautos, pelas Monarquias absolutistas retrógradas, naturalmente refractárias à aceitação do jugo do iluminado corso revolucionário, subitamente tornado Imperador.

Depois das cerimónias militares, com desfile, com fanfarra, de uma força de um Pelotão da Escola de Sargentos das Caldas, sob o comando de uma jovem Tenente, que, com aprumo, executou as manobras da praxe, houve exibição de coros e bandas filarmónicas locais, cantando-se no fim o hino da alegria da 9ª Sinfonia de Beethoven, talvez em atenção das representações estrangeiras presentes – Espanha, França e Inglaterra – hoje nações congraçadas na União Europeia.

Houve ainda, por parte do Exército, uma mostra cartográfica muito interessante, constituída por peças do tempo dos acontecimentos evocados.

No encerramento da cerimónia, no salão nobre do Edifício da Câmara, efectuou-se uma sessão solene para assinalar a efeméride, em que intervieram o Presidente da Edilidade, o Chefe de Estado Maior do Exército, em representação do Ministro da Defesa, e o Coronel de Infantaria Américo Henriques, reputado especialista em História da Guerra Peninsular, que proferiu uma vibrante palestra, repassada de sentimento patriótico, que notoriamente contagiou quantos a ela assistiam. São raros, nos tempos que correm, momentos de tal elevação de espírito patriótico.

Aos Militares, sobretudo, cabe a preservação exaltada deste espírito, que a restante sociedade deverá acarinhar, para lhe dar robustez, começando evidentemente por cuidar do ensino da História Pátria, como das outras disciplinas, de resto, mas desta em particular, que, aliada ao estudo da Língua, da Literatura e demais matérias essencialmente Portuguesas, constituem o cerne da nossa identidade, elemento diferenciador, genuíno, da nossa contribuição para o desabrochar e o devir das Civilizações.

Qualquer pretexto é bom, para sublinhar a relevância de uma causa justa. A de Olivença, para além dos fundamentos racionais que lhe assistem, sobram-lhe os sentimentais, pela sua longa pertença ao Património da Nação Portuguesa, com origem no tempo da fundação do Reino, por D. Afonso Henriques, inclusão ratificada no Tratado de Alcanices, em 1297, celebrado entre D. Dinis e Fernando IV de Castela, numa notável demonstração de maturidade política dada pelos dois soberanos, que souberam entender-se cedo na História, com perfeita autonomia de pensamento e de vontade.

Mais uma razão para lamentar a actual atitude de Espanha, lesiva do Direito Internacional, ao recusar-se a cumprir um primeiro acordo bilateral de fronteiras, o de 1297, e depois um outro, na sequência da queda de Napoleão, decorrente do Tratado de Viena de 1815, que também assinou, não logo em 1815, quando ele se firmou, mas dois anos mais tarde, em 1817.

Desde então para cá, as manobras de dilação e de diversão, por parte da Espanha, multiplicaram-se e subsistem, em completa incoerência com a demanda que sustenta com o Reino Unido, relativamente a Gibraltar, perdido em 1703, e reconhecido como integrado na soberania britânica, pelo Tratado de Utrecht de 1713, que igualmente assinou, mas cujo compromisso assumido actualmente tampouco acata.

Não há nenhum argumento que a Espanha levante, para defesa da devolução de Gibraltar ao seu domínio territorial, que Portugal não possa invocar com maioria de razão, em relação a Olivença.

Num só ponto se pode reconhecer maior mérito aos espanhóis : é ele o da persistência e desinibição com que reivindicam da Grã-Bretanha a devolução de Gibraltar, sem receio de que tal postura prejudique as relações amistosas entre dois Estados-Membros da União Europeia, de resto, regularmente mantidas, como cumpre, no enquadramento político daquela Instituição.

Ao contrário, Portugal persiste numa tibieza incompreensível a este propósito, atitude que nos envergonha colectivamente, encobrindo e enfraquecendo a força da razão que nesta Questão inequivocamente nos acompanha.

Raras têm sido as pessoas, com altas responsabilidades no Estado, que têm sido capazes de trazer a Questão de Olivença a debate.

Desde as posições algo improvisadas, quase anedóticas, do antigo Primeiro-Ministro Almirante Pinheiro de Azevedo, às despropositadas brincadeiras de certos inocentes de espírito, tudo temos visto, excepto a assunção plena da única posição consentânea com a nossa dignidade de Portugueses : a da apresentação formal, nos fóruns adequados, dos nossos direitos históricos sobre Olivença.

Nos tempos mais próximos, só recordo posições públicas de defesa da Questão de Olivença do General, na reserva, Loureiro dos Santos, honra lhe seja, por se assumir como conspícua excepção, num meio de acabrunhados e de indiferentes cidadãos, em tudo o que concerne a assuntos desta velha Pátria.
Ressalvo, obviamente, as múltiplas iniciativas dos denodados membros do GAO, Grupo dos Amigos de Olivença, que, contra todas as indiferenças, continuam, com perseverança inquebrantável, há várias décadas, a sustentar esta nobre causa.

Várias modalidades poderão ser encaradas na resolução desta Questão, com vista a acautelar os direitos dos cidadãos residentes actualmente em Olivença, compromisso que Portugal deve honrar, num qualquer futuro Acordo, apesar de igual atitude não ter sido tomada, pela parte espanhola, quando se apossou do território.

As nossas autoridades governamentais e diplomáticas deveriam, há muito, ter preparado e concertado com o nosso antigo aliado britânico, que sustenta demanda semelhante com o mesmo interlocutor, as diligências a desenvolver para a reintegração de Olivença no território nacional.

O assunto não está, pois, encerrado, enquanto Portugal não der o nefando passo definitivo do reconhecimento oficial do esbulho de que foi vítima há 200 anos.

Esperemos que tal acto nunca venha a ser sequer esboçado, para permitir a redenção de um crime que, inevitavelmente, mancha a História das relações entre dois Estados vizinhos, boas, no presente, mas que poderiam, sem dúvida, subir a um patamar superior, assente na confiança recíproca.

Caberá aos cidadãos comuns gerar o movimento de opinião capaz de levar os actuais responsáveis políticos portugueses a assumir com dignidade os direitos da Nação que democraticamente dizem representar.

Nisto, como no mais, os actos falam mais alto que as declarações. Mas, entretanto, comecemos por estas, para, posteriormente, chegarmos àqueles.

AV_Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008

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